domingo, 9 de março de 2014

Aconteceu de verdade. Será?!! Episódio XXVI

Neste episódio Zé Carocinho e Maria Galega relatam como conheceram a importância da solidariedade para o povo "acreano"... 

Assim se passou o primeiro semestre de 2004, com visitas às colônias dos alunos, passeios por Cobija-BO, mergulhos nos açudes e igarapés, principalmente no Jarinal.
Outra visita marcante foi na colônia das três irmãs que estudavam em séries distintas: A na 5ª série, B na 6ª série e C na 7ª série.
A colônia localizava-se no Km 64 da rodovia, BR 317, entre Brasiléia e Assis Brasil. Fomos como de costume, através de caminhão pau-de-arara com os estudantes. Ao desembarcar as três irmãs se entreolharam e estranharam algo. Percebendo o desconforto das meninas pergunto:
- Tudo bem, aconteceu algo?
- Não professor. Tudo bem, apenas pensamos que teria alguém nos esperando.
- Sem problemas! Vamos caminhando.
- Mas são seis quilômetros.
- Devagar se vai longe.
Todos riram e iniciamos nossa caminhada pelo ramal floresta a dentro. Era por volta de 13h e o sol estava atrás de algumas nuvens que pareciam blocos de algodão. Após alguns minutos de caminhada e as irmãs entusiasmadas e sem acreditar que estávamos ali com elas, surge na estrada, exatamente no local em que as copas das árvores das duas margens do ramal se entrelaçam, formando um túnel com fim em uma curva à esquerda, um carro de boi, animal maceta, bem cuidado e de cor branca com algumas mesclas escuras. Imediatamente as meninas riram e correram para o encontro de um senhor de meia idade e tão forte como o animal que o transportava. Era o senhor T, pai das meninas. Abraçou e beijou as filhas e nos olhou com um sorriso de menino quando ganha presente.
Nos apresentamos. Ele pediu desculpas pelo atraso justificando que estava ocupado com o café. O que vim entender um pouco mais tarde.
Ao chegar em casa a dona F, mãe das meninas, já nos aguardava com o almoço servido sobre um tronco de pau amarelo que servia de mesa sob a sombra de uma mangueira. O cardápio, uma suculenta galinha caipira, arroz e suco de graviola.
Após nos deliciarmos com o banquete a dona F oferece:
- Quem vai querer um cafezinho passado agora?!
Todos aceitaram. A prosa continuou até que o senhor T exclamou:
- Me deem licença que o café me espera! Zé Carocinho e Maria Galega fiquem a vontade. A casa é de vocês.
- Posso te acompanhar senhor T? Estava curioso para saber o que era de fato esse café.
- Será um prazer e toda ajuda é bem vinda.
Seguimos por uma trilha e logo estávamos em uma capoeira, onde havia espalhado uma quantidade razoável de café para secagem.
- Zé Carocinho, agora precisamos revirar todo esse café.
- Como faço? Empolgado com a empreitada.
- Pode utilizar essa enxada por enquanto, vou buscar mais ajuda. Já volto! Exclamou senhor T rindo.
Nesse momento passou um filme em minha mente, pois meus pais nasceram e cresceram nos cafezais do norte do Paraná. Não cheguei a conhecer um tradicional cafezal da década de 1970, hoje se pratica a cultura do café adensado.
- Muito bem!!! Tem jeito pra coisa. Declara senhor T, com uma garrafa com água na mão direita, um chapéu na mão esquerda e um cavalo seguindo-o.
- Está no sangue senhor T.
- Trouxe um chapéu para você. Quer?
- Sim, obrigado.
- Esse cavalo?!!
- É o meu braço direito. Ele nos ajudará na tarefa de virar o café.
Senhor T preparou o Seringal, que começou a puxar um mecanismo de madeira, cuja função naquele momento era revirar o café. Parei um pouco para beber água e ficar observando a imagem que se formava: senhor T descalço com as calças pela canela, sem camisa e com chapéu de palha realizando passadas compassadas, parecia um bailar entre ele, Seringal e os grãos de café que se confundiam com seus pés por terem a mesma cor. Uma verdadeira pintura de Candido Portinari viva diante dos meus olhos. De repente, Seringal começa a defecar sobre o café e corro para avisar senhor T:
- Senhor T o Seringal...
- Isso é comum, até o momento de ensacar estará seco!!!
Conseguimos revirar todo o café e cobrir com lona para ensacar no dia seguinte com um toque especial de Seringal.
- Por hoje chega Zé Carocinho, agora é hora do banho. Falou senhor T com voz cansada, mas sempre com sorriso no rosto.
No caminho de volta, senhor T aponta um tipo de biombo de palha de tucumã. No momento em que olho aparece detrás a Maria Galega enrolada na toalha. Pois era o local de tomar banho.
Por volta das 20h já estávamos cansados e querendo rede. Como já conhecíamos a rotina de dormir cedo na colônia fomos armar as redes junto com A, B e C. Um pouco antes de dormir escutamos palmas e latidos dos cães. Era uma família com duas crianças pequenas pedindo dormida. Dona F pediu que entrassem e ofereceu comida, pois a família deveria ter caminhado o dia todo. Enquanto comiam e saciavam a sede, senhor T armava mais duas redes grandes na cozinha.
Nesse momento percebi o verdadeiro valor da solidariedade e, como ela é fundamental na vida dos "acreanos", principalmente aos colonos, seringueiros e ribeirinhos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário